Fonte: Portos e Navios, 29/05/2022 – 21:53, Paulo Octavio de Paiva Almeida

Este é o primeiro de uma série de três artigos sobre a Lei 14.301, de 7 de janeiro de 2022. Conhecida como lei do Programa de Incentivo ao Transporte de Cabotagem (BR do Mar), assim chamada por ter criado o programa de mesmo nome, é na verdade bem mais abrangente. A lei
contém outros dispositivos que ampliam seu escopo para abranger todas as modalidades de navegação, além da cabotagem, e introduzem modificações em importantes leis integrantes do ordenamento jurídico do transporte aquaviário e da indústria naval.

O primeiro e presente artigo trata da criação do BR do Mar, seus objetivos, diretrizes, requisitos e critérios para habilitação e as modalidades de afretamento das embarcações que fazem parte do programa.

Caberá ao segundo apresentar as modificações introduzidas na Lei 9.432/1997, responsável pela criação do Registro Especial Brasileiro (REB) e ordenação do transporte aquaviário, em especial a criação da Empresa Brasileira de Investimento na Navegação (EBIN) e a flexibilização das regras para o afretamento a casco nu pelas empresas brasileiras de navegação.

O último dos três artigos cuidará das modificações na Lei 10.893/2004, que regulamenta o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e o Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Com destaque para a redução das alíquotas do AFRMM e as novas possibilidades de uso para os recursos provenientes de sua arrecadação. O terceiro artigo também trata do esforço da regulamentação, ainda pendente para plena implementação da lei.

Há instrumentos normativos demandados expressamente na lei, porém há vários não mencionados que deverão ser editados por diversos órgãos, necessários a adequação do marco regulatório brasileiro às modificações introduzidas. Na esteira do Decreto que regulamentará a lei, o Ministério
da Infraestrutura e a Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq) tem papel fundamental a desempenhar. Ao primeiro cabe estabelecer, entre outras, a forma de concessão da habilitação, e as competências para o estabelecimento das equivalências de TPB de embarcações, à Antaq cabe estabelecer os critérios para enquadrar a embarcação como efetivamente operante e pertencente a um mesmo grupo econômico e adequar suas formas às modificações na lei 9.432/1997.

Em 4 de abril de 2022, o Conselho Diretor do Fundo da Marinha Mercante deu o primeiro passo concreto para a implementação, com a publicação da Resolução CDFMM-185, modificando os critérios de liberação dos recursos financeiros das contas para adequá-las à Lei 14.301/2022.

O PROGRAMA BR DO MAR
Objetivos
Os objetivos BR do Mar refletem-se em mecanismos de incentivo que podem ser agrupados em cinco eixos, mercado, mão de obra, construção naval, operações especiais e fontes de recursos.

     

      • Mercado – Ampliar a oferta, melhorar a qualidade, incentivar a concorrência, e ampliar disponibilidade de frota, por meio de possibilitar o afretamento de embarcações estrangeiras na modalidade por tempo pelas empresas BR do Mar.

      • Mão de obra – Incentivar a formação, a capacitação e a qualificação de marítimos nacionais com a criação de vagas para praticantes nas embarcações do BR do Mar

      • Construção naval – Revisar a vinculação das políticas de navegação com as políticas de construção naval, permitindo o financiamento de manutenção em navios próprios e das obras navais em navios afretados pelas empresas BR do Mar.

      • Operações especiais – Incentivar as operações especiais e os investimentos delas decorrentes em instalações portuárias, para atendimento de cargas em tipo, rota ou mercado ainda não existentes ou consolidados, permitindo a formação de empresa de navegação operando apenas embarcações afretadas por tempo, sem lastro em tonelagem pré-existente.

      • Fontes de recursos – Otimizar o emprego dos recursos oriundos da arrecadação do AFRMM, permitindo seu uso para pagar prêmios e encargos de seguros C&M.

    Requisitos
    O BR do Mar é um programa destinado a cabotagem e, como tal, o primeiro requisito para fazer parte dele é estar autorizada pela Antaq, como empresa brasileira de navegação de cabotagem (EBN).
    Originalmente, o principal fundamento para a Antaq conceder a outorga de EBN era a posse de uma embarcação brasileira. Com a lei surgiu uma nova categoria de outorga, a ser concedida especificamente para as empresas que farão parte do BR do Mar, neste caso a autorização pode ser outorgada à empresa brasileira que esteja amparada nas hipóteses de afretamento previstas nessa lei (apresentadas mais adiante, neste artigo). A forma desta outorga de autorização será disciplinada em regulamento e as obrigações da empresa estarão limitadas à apresentação das informações utilizadas para a habilitação da empresa no BR do Mar.

    Os outros requisitos são a empresa estar em situação regular com os tributos federais e apresentar, na forma e na periodicidade a serem estabelecidas em regulamentação própria, informações relativas à sua operação com relação aos parâmetros de monitoramento. (1)

    Critérios para habilitação
    A habilitação no BR do Mar será concedida à empresa interessada, por ato do ministro da
    Infraestrutura, em formato de concessão a ser disciplinado em regulamento, que incluirá as
    seguintes regras:

       

        • A perda das condições originais acarreta na perda de habilitação da empresa no BR do Mar; e

        • A empresa que perder a sua habilitação não terá direito à obtenção de uma nova por dois anos.

      Afretamento para embarcações do BR do Mar
      Como visto anteriormente, a empresa habilitada no BR do Mar poderá operar na navegação de cabotagem dispondo apenas de embarcações estrangeiras afretadas. Por outro lado, a lei estabeleceu algumas condições para que o afretamento pudesse ser realizado.

      A primeira condição é que o afretamento será feito exclusivamente na modalidade por tempo. Em segundo lugar, o contrato de afretamento deverá ser celebrado com uma subsidiária integral estrangeira da empresa; ou uma subsidiária integral estrangeira de outra empresa brasileira de navegação. Desde que as embarcações objeto do contrato estejam em propriedade ou em posse, uso e controle, sob contrato de afretamento a casco nu, da empresa estrangeira.

      Finalmente, o afretamento estará condicionado ao emprego a ser dado as embarcações e pode ter ou não necessidade de lastro em tonelagem da empresa. As embarcações podem ser afretadas para ampliar a tonelagem em operação ou substituir tonelagem em construção, nestes casos haverá necessidade de lastro em tonelagem própria ou em construção. Também podem ser afretadas para atender com exclusividade contratos de transporte de longo prazo ou operações especiais de cabotagem, neste caso sem necessidade de tonelagem pré-existente.

      As cláusulas essenciais para os contratos de longo prazo e as regras gerais para as operações especiais serão estabelecidas pelo Ministério da Infraestrutura.

      Sempre na modalidade por tempo, para cada um dos tipos de emprego da embarcação foram instituídas regras específicas, que definem um limite de tonelagem para as embarcações que podem ser afretadas e um prazo de duração máximo para o afretamento. O quadro apresenta as regras para o afretamento de embarcações do BR do Mar.

      No dia 13 de fevereiro de 2022, a ANTAQ liberou minuta de Resolução para estabelecer a definição dos critérios para o enquadramento da embarcação como: efetivamente operante; e pertencente a um mesmo grupo econômico. A minuta entrou em consulta pública a partir de 21 de fevereiro. Em 3 de março, foi realizada audiência pública virtual e, em 14 de março, a participação pública foi encerrada. Desde então, o processo para edição da Resolução está em tramitação na Agência.

      Direitos e deveres das embarcações BR do Mar
      As embarcações afretadas pelas regras do BR do Mar, estarão submetidas a direitos e deveres, que são apresentados nos próximos parágrafos. O descumprimento destas obrigações ou a perda da habilitação da empresa no BR do Mar implicará a perda do direito de permanência da embarcação estrangeira no País.

      São deveres das embarcações BR do Mar:

         

          • Submeter-se a inspeções periódicas pelas autoridades brasileiras. A inspeção da Autoridade Marítima poderá ser realizada antes de a embarcação entrar em AJB.

          • Ter, obrigatoriamente, comandante, mestre de cabotagem, chefe de máquinas e condutor de máquinas brasileiros. Os tripulantes embarcados em navios habilitados no BR do Mar serão considerados, como em viagem de longo curso.

          • Ter as operações de cabotagem amparadas em cobertura de seguro e resseguro de cascos, máquinas e responsabilidade civil por meio da qual o segurador ficará obrigado a indenizar as perdas e os danos previstos no contrato de seguro. Regulamento assegurará a livre contratação do seguro no mercado internacional ou doméstico.

        São direitos das embarcações BR do Mar:

           

            • Destinação do produto da arrecadação do AFRMM e o ressarcimento (N e NE)

            • Contratos de trabalho dos tripulantes de acordo com as regras internacionais estabelecidas por organismos internacionais devidamente reconhecidos, referentes à proteção das condições de trabalho, à segurança e ao meio ambiente a bordo de embarcações, e a Constituição Federal. O disposto em instrumento de acordo ou convenção coletiva de trabalho precederá outras normas de regência sobre as relações de trabalho a bordo.

            • Regime de admissão temporária, automaticamente, sem registro de Declaração de Importação (DI) e com suspensão total do pagamento dos tributos federais.


           

             

              1. Parâmetros : a) expansão, modernização e otimização das suas atividades e da sua frota operante no País; b) melhoria na qualidade e na eficiência do transporte por cabotagem em relação à experiência do usuário; c) aumento na oferta para o usuário do transporte por cabotagem; d) criação e manutenção de operação de transporte de cargas regular; e) valorização do emprego e qualificação da tripulação brasileira contratada; f) desenvolvimento das atividades da cadeia de valor da navegação de cabotagem nas operações realizadas no País; g) inovação e desenvolvimento científico e tecnológico que promovam o desenvolvimento econômico do transporte por cabotagem; h) segurança no transporte dos bens transportados; i) desenvolvimento sustentável; j) transparência quanto aos valores do frete; k) práticas concorrenciais saudáveis, que garantam a competitividade e a condução dos negócios de forma eticamente responsável; e l) promoção da integridade.