Fonte: Portos e Navios, 05/06/2022 – 19:41, Paulo Octavio de Paiva Almeida

Este é o segundo de três artigos sobre a Lei 14.301/2022. A série foi motivada pela edição da Resolução-185 do CDFMM, que deu o primeiro passo para sua regulamentação.

A importante Lei que criou o Programa de Incentivo ao Transporte de Cabotagem (BR do Mar) e dispôs sobre as modalidades de afretamento permitidas às suas embarcações ainda depende da edição de vários regulamentos para ser plenamente implementada.

A Lei também estabeleceu outros dispositivos que ampliam seu escopo, para incluir todas as outras modalidades de navegação, e introduziu modificações nas duas leis básicas do ordenamento jurídico do transporte aquaviário e da indústria naval.

Neste artigo serão tratadas as modificações introduzidas na Lei 9.432/1997, responsável pela criação do Registro Especial Brasileiro (REB) e pela ordenação do transporte aquaviário. As modificações a serem apresentadas incluem: a criação da Empresa Brasileira de Investimento na Navegação (EBIN), a flexibilização das normas para o afretamento, a ampliação da capacidade de afretamento a casco nu pelas empresas brasileiras de navegação e a inclusão de regras para o seguro de casco e máquinas (C&M) de embarcações operando no País.

Empresa Brasileira de Investimento na Navegação (EBIN)
A Lei 14.301/2022 criou a Empresa Brasileira de Investimento na Navegação (EBIN), conceito difundido no exterior como “dona do aço”. São empresas especializadas em investir na navegação por meio da construção de embarcações e, em seguida, cedê-las em fretamento na modalidade a casco nu para transportadores marítimos.

O Artigo 19 da Lei modificou a Lei nº 9.432/1997 para definir a EBIN como sendo a empresa que tem por objeto fretar embarcações para empresas de navegação brasileiras ou estrangeiras.

O mesmo artigo autoriza a EBIN a afretar embarcação estrangeira por tempo, limitada a 2 vezes o TPB das embarcações em construção em estaleiro brasileiro, durante o período de construção da embarcação e permite que a empresa, caso opte por não afretar, possa transferir este direito onerosamente para empresas brasileiras de navegação.

A empresa brasileira de investimento na navegação poderá inscrever no REB e no Pré-REB as embarcações da sua frota construídas no País. Os direitos de tonelagem oriundos das embarcações fretadas por empresa de investimento serão transferidos para a empresa brasileira de navegação (EBN) afretadora.

O Art. 21 da Lei 14.301/2022 altera o artigo 19 da Lei nº 10.893/2004 para permitir o uso dos recursos da conta vinculada do armador no pagamento do afretamento de embarcações construídas no Brasil por empresa de investimento na navegação, desde que as embarcações afretadas operem no tipo de navegação em que foi gerado o AFRMM pela EBN afretadora.

A Lei não menciona a necessidade de regulamentação, entretanto os novos dispositivos só poderão ser implementados com a edição de novas regras por diversos órgãos oficiais responsáveis pelas áreas atingidas, como por exemplo: Antaq, CDFMM, DPC, Tribunal Marítimo entre outros.

O quadro em sequência apresenta o resumo dos dispositivos constantes da Lei 14.301/2022 referentes aos direitos concedidos às empresas brasileiras de investimento na navegação.

Afretamento de embarcações estrangeiras por EBN
A Lei 14.301/2022 segue no seu propósito de rever a regulamentação do transporte aquaviário brasileiro ao produzir mudanças adicionais na Lei 9.432/1997, não limitadas apenas à navegação de cabotagem. As mudanças podem ser divididas em: (i) recepcionar os dispositivos introduzidos pela BR do Mar nas normas de outorga de autorização para EBN; (ii) flexibilizar as regras para o afretamento por tempo; e (iii) possibilitar o aumento da capacidade de afretamento de navios estrangeiros por empresas brasileiras de navegação de transporte de cargas.

O item (i) inclui a alteração do fundamento para autorização de EBN, para adicionar a possibilidade de usar apenas embarcação afretada. Como visto no artigo anterior, entre as modalidades disponíveis para a habilitação de empresas ao BR do Mar, há duas que prescindem da necessidade de embarcação própria como fundamento de sua outorga, são aquelas que tem o propósito de atender exclusivamente aos contratos de transporte de longo prazo e as engajadas em operações especiais. Parece ter sido inócua a inovação que altera o conceito de embarcação brasileira para incluir que independe do local onde tenha sido construída ou da forma como tenha sido incorporada à frota do operador, pois esses dispositivos já eram previstos anteriormente.

Para atender ao item (ii), afretamento por tempo, a regulamentação da Antaq deverá ser adaptada para incluir três modificações: impedir a limitação do número de viagens realizadas por circular, obrigar a EBN a indicar a embarcação a ser utilizada no momento da solicitação da autorização de afretamento e obrigar o uso da embarcação indicada, durante todo o período, podendo ser substituída tão somente em razão de situações que inviabilizem a sua operação, de forma devidamente fundamentada e aprovada pela agência reguladora.

As mudanças do item (iii) incluem o aumento da capacidade da EBN para afretamentos em substituição a embarcação em construção no País. Adicionalmente aos afretamentos já previstos, a nova regra concede o direito de afretar embarcações estrangeiras para operar na cabotagem, por viagem ou tempo, em substituição a embarcações próprias ou afretadas que estejam em obras de jumborização, conversão, modernização, docagem ou reparação, em estaleiro no País ou no exterior, na proporção de 100% do de seu TPB.

Também foi dado ao grupo econômico da EBN o direito de afretar uma embarcação, sem necessidade de autorização, na cabotagem a casco nu com suspensão de bandeira, independentemente de ter lastro em contrato de construção em eficácia ou em frota própria. Este direito será ampliado de acordo com o seguinte cronograma: duas embarcações, após 12 meses, três embarcações, após 24 meses, quatro embarcações, após 36 meses e sem limite no número de embarcações após 48 meses.

Ao aumentar a quantidade de embarcações estrangeiras que serão autorizadas a operar no País, a Lei teve o cuidado de impor contrapartidas. Deste modo, as embarcações afretadas a casco nu nos termos da nova regra não poderão ser utilizadas para comprovar a existência ou a disponibilidade de embarcação de bandeira brasileira para bloqueio de circularização. As embarcações também deverão observar as condições de segurança a serem definidas em Norma da Autoridade Marítima.

O quadro apresenta o resumo das novas possibilidades de afretamento à disposição da empresa brasileira de navegação.

SEGURO MARÍTIMO
As inovações referentes ao seguro marítimo podem ser classificadas de acordo com escopo e as embarcações às quais se aplicam: (i) estabelece a obrigatoriedade de contratação de seguro de casco, máquinas e responsabilidade civil para as embarcações afretadas nos termos do BR do Mar; (ii) garante o livre acesso ao mercado internacional de seguros para as embarcações inscritas no REB; e (iii) dá direito ao uso dos recursos da conta vinculada do armador do AFRMM, para o ressarcimento de prêmios e encargos das embarcações próprias e afretadas por empresas brasileiras.

Como é sabido, as empresas habilitadas na BR do Mar têm direito de afretar embarcações em condições especiais, e uma das contrapartidas demandadas pela Lei 14.301/2022 é obrigar a contratação de um seguro de C&M que ampare sua operação na cabotagem. A Lei cita a obrigação de contratar o resseguro, porém o resseguro não pode ser contratado pelo segurado (neste caso a EBN), sendo sua contratação de exclusive critério da seguradora.

A empresa terá liberdade de contratar o seguro o mercado internacional, mas, para que isto aconteça, terá que aguardar o regulamento sobre as condições de contratação do seguro que vier a ser feito. A Lei prevê o regulamento, mas não especifica qual deve ser o instrumento regulatório ou o órgão que poderá publicá-lo nem o prazo para sua publicação. Certamente a SUSEP terá que participar desta regulamentação.

Uma modificação na Lei 9.432/1997 ampliou para todas as embarcações inscritas no REB o direito concedido às do BR do Mar para a contratação no mercado internacional da cobertura de seguro C&M. E estendeu a permissão para a contratação da cobertura de responsabilidade civil.

Outra modificação, agora na Lei 10.893/2004, assegurou às EBN o direito de usar os recursos da conta vinculada do armador do AFRMM para o ressarcimento de prêmios e encargos dos seguros de C&M das embarcações próprias e afretadas.

A Lei não menciona, mas a fruição deste direito dependerá da edição de regulamento específico. Certamente, o CDFMM terá que participar da regulamentação e os convênios com os agentes financeiros terão que ser refeitos para se adequarem à nova regra.

O quadro em sequência apresenta o resumo das modificações do seguro de C&M, introduzidas pela Lei 14.301/2022.